Wednesday, October 26, 2011

FUNK DE PRIMEIRA: Nils Landgren e Baker Brothers

Olá!
O post de hoje consiste na rápida análise e recomendação de dois discos que descobri muito recentemente. Ambos têm raízes semelhantes – soul, funk, jazz – e acabam sendo um prolongamento natural da última publicação deste humilde blog, a playlist que explorava o meu entendimento das raízes do Jamiroquai.
Nils Landgren Funk Unit - “Funk For Life”


É o ultimo e excelente disco do cultuado trombonista sueco, e foi lançado em 2010. Nils gravou seu primeiro álbum em 1983 e já participou de inúmeros trabalhos para artistas de ABBA a Wyclef Jean, incluindo Herbie Hancock e The Crusaders (estes valem um post exclusivo).
Além de bom som, o Funk For Life é um instrumento de engajamento em favor da organização Médicos Sem Fronteiras, na qual o afilhado de Nils atua como médico. A cada álbum comprado, 1 euro é doado para a atuação da MSF em Kibera, no Quênia. Por isso os títulos das faixas frequentemente acenam para o continente africano.


O disco todo é mergulhado no funk, com momentos de menção ao acid jazz (“Mag Runs The Voodoo Down”) e anda marcado pelo trombone de Nils e pelas excelentes linhas de baixo em igual medida – o ponto alto deste duo está na melhor faixa do álbum, a instrumental “Dry”. É uma trama com muito groove sem saturação, “deslize” comum em discos tão carregados no gênero consagrado por James Brown. Para quem precisa de uma trilha sonora esperta e (felizmente) esqueceu seus CDs de chill-out em 2002, “Funk For Life” é uma excelente pedida. Vale pagar e baixar!

Baker Brothers – “Bakers Dozen”


Este disco não foi minha porta de entrada para os Baker Brothers, mas é aquele que mais achei interessante e palatável – e muito se deve à participação generosa e especial da vocalista Vanessa Freeman (que também aparece brevemente na abertura do disco “Avid Sounds”, de 2009 e é considerada “part-time member”). Vanessa já cantou também com o bom Kyoto Jazz Massive.
A competente Vanessa Freeman
No "Bakers Dozen" (título que brinca com o filme de Steve Martin e sua penca de filhos), ela quebra o transe funk dos Baker Brothers, a tal saturação mencionada no review acima e que frequentemente torna os discos do gênero um tanto maçantes. As doses de Freeman valorizam as jams instrumentais do restante do trabalho, criando espaços exclusivos e modulando as 13 faixas desse disco de 2008.
Nos momentos em que a vocalista aparece temos canções, começo meio e fim, e um bom verniz pop que remete muito ao agradável som dos ingleses do Brand New Heavies. A distribuição destes momentos no álbum é feliz, como no par “What You Do Is Right” e  “Walk Into My World”.

Caso o som tenha interessado, recomendo ainda algumas faixas do já mencionado Avid Sounds: 
- “Family Tree”, com Vanessa Freeman
- “If You Want Me To Stay”, ainda que eu prefira a tosca versão do Red Hot Chili Peppers. A original é de Sly and The Family Stone e tem um dos meus baixos favoritos de todos os tempos.
 “Street Player”. A original, do Chicago, tem mais de 9 minutos e é uma aula de como arranjar metais.  Essa vocês reconhecerão das pistas, culpa do Daft Punk.
Espero que gostem e descubram ainda mais coisas interessantes!

Monday, October 10, 2011

PLAYLIST: AS ORIGENS DO JAMIROQUAI, UMA AULA DE FUNK E SOUL


Quem me conhece sabe que tenho muito mais prazer em “descobrir” bandas velhas do que antecipar “the next big thing”, pois tenho uma grande suspeita de que tudo de relevante no espectro pop já foi feito anos atrás e que hoje (um hoje retórico) vivemos um grande reprocessamento.  Então enquanto o tempo não me prova estar errado, olho para as bandas das últimas duas décadas com os olhos de um arqueólogo ou biólogo - busco fazer o carbono-14 da coisa toda, abro o sapo para ver de onde veio tudo aquilo na esperança de encontrar alguma jóia ou vertente saborosa.
A playlist de hoje explora o que (na minha leitura) é a gênese do Jamiroquai, banda que começou muito bem com três excelentes discos até se perder em brigas internas que devastaram a formação original, conflitos quase sempre alimentados pelo monumental ego de Jay Kay. Em se tratando dessa banda, olhar para o passado e para suas raízes talvez seja o único alento, a esperança de dias melhores e de um amadurecimento mais feliz e criativo por parte do notório amante de carros e vinhos caros. A banda de hoje não tem tesão nem inspiração, se arrastando em shows mornos pelo mundo.

Jay Kay, vocalista do Jamiroquai, fazendo um esquenta para o show do Rock In Rio

Na seleção abaixo que vocês poderão ouvir ao fim do texto, trabalhei em dois pilares: a cena Acid Jazz inglesa de onde despontou o Jamiroquai e as raízes americanas de soul, RnB e funk que formam o grosso da educação musical de Jay Kay. Há muita coisa boa que merece ser explorada; eu particularmente acho que a lista ficou SENSACIONAL, mas eu sou suspeito para falar!
Acid Jazz
O Acid Jazz nasceu na Inglaterra na virada da década de 80 para 90, gênero híbrido de jazz, funk, soul e hip-hop baseado num revival de raridades destes estilos promovido por DJs como o francês Gilles Peterson – a quem é atribuída a criação do termo que batizou a cena. Gilles, figura importante da Radio 1 da BBC, inclusive criou os selos Acid Jazz e Talkin’ Loud, que foram as “powerhouses” do gênero ao lançarem bandas dentre as quais se destacam Brand New Heavies (comercialmente) e Incognito (artisticamente). Mas o primo rico dessas bandas acabou sendo o Jamiroquai, um dos poucos representantes da cena que “escapou” das mãos de Peterson e assinou com um selo menor da Sony Music para lançar seu debut de 1993 (Emergency On Planet Earth).

Gilles Peterson, o pai do Acid Jazz

Na playlist você ouvirá Corduroy, banda de ingleses fissurados em velocidade (como Jay Kay) e que inclusive gravaram uma música chamada “Ayrton Senna”. Incluí também a face mais pop do Acid Jazz (Brand New Heavies), e o gênio do estilo, Jean-Paul Maunick, líder e mentor do Incognito. Bem que Jay Kay poderia se inspirar na longevidade altamente criativa deste verdadeiro mestre do groove. Para abrir esse bloco, escolhi uma das minhas raridades favoritas: Esperanto com a “carioca” Sweet Feelings.
Gênese
Nesta segunda parte da playlist, explorei as grandes influências do Jamiroquai – algumas delas expressamente admitidas através da excelente Late Night Tales, série de coletâneas nas quais determinados artistas abrem seu baú particular de influências. Deste disco, destaquei feras como Leon Ware, produtor de discos clássicos como “I Want You” (chart topper de Marvin Gaye) e Maxwell’s Urban Hang Suite. Ware é também um grande compositor do RnB e tem uma belíssima voz que inclusive foi emprestada a um disco recente do já mencionado Incognito.
Criador e criatura

Outros artistas que incluí são o meu palpite daquilo que constitui a árvore genealógica de Jay Kay: monstros da música negra dançante como Lamont Dozier, Ramsey Lewis e o padrinho do Acid Jazz, Roy Ayers. Para mim, um dos destaques da seleção é “Summer Madness”, do Kool & The Gang, que é o claro combustível para a minha música favorita de toda a carreira do Jamiroquai - “Blow Your Mind”, do álbum de estréia. A seleção deixa claros os dois momentos preponderantes da carreira da banda inglesa, a fase “jazzy” e a fase “disco” (como na faixa que fecha a playlist, do Kleeer).
Enfim, eu poderia escrever por horas sobre cada um destes artistas, mas o que vale mesmo é você escutar, achar seus favoritos e se possível fazer paralelos entre estas faixas e a obra da banda homenageada de hoje.

Saturday, October 8, 2011

DVD Review: Heart of Gold, Neil Young (2006)

Olá jovens!
Não, o blog não morreu, só deu uma viajada por aí e voltou para a realidade muito recentemente. Esse post é um protesto ao vizinho animal que passou a tarde toda ouvindo eletrônico de péssima qualidade em volume altruísta. Meu protesto é ligar o noise cancelling e escrever sobre música DE VERDADE.
O texto de hoje é para recomendar um DVD que tem lugar de destaque em minha coleção: “Heart of Gold”, show de Neil Young no mítico Ryman Auditorium, tempo da country music em Nashville. Na verdade, o apelido mais acurado é “The Mother Church of Country Music”, dado que a casa aberta em 1892 teve seus primeiros dias embalados por música gospel.


Entre 1943 e 1974, o Ryman abrigou o Grand Ole Opry, show semanal de música country e comédia que existe desde 1925, sendo transmitido via rádio e gravado na frente do público. Este estandarte da música e cultura americanas já teve a participação de ícones do gênero como Hank Williams, Patsy Cline, Dolly Parton e o quatrocentas-vezes-platina Garth Brooks - toda essa história naturalmente contagia o Ryman Auditorium e o abençoa com um ar quase sagrado. 
The Ryman Auditorium, Nashville, TN
Por conta disso, o local do concerto passa a ser um personagem importante no filme, notadamente na canção “This Old Guitar”: a humilde música, que traz versos como “this old guitar ain’t mine to keep, it’s mine to play for a while”, fala provavelmente sobre o violão Martin ano 1951 adquirido por Neil Young e que é utilizado durante a maior parte do show. Segundos antes de iniciar a música, Young lembra que aquele mesmo instrumento esteve no Ryman há mais de 50 anos no ombro de Hank Williams, e olha para cima em clara homenagem à primeira grande estrela do country.
The Mother Church of Country Music: até os bancos do Ryman remetem a uma igreja
Este não é o único momento sagrado da noite. Aos 65 anos de idade, o cantor e compositor canadense cria uma intimista celebração da prolífica carreira que começou a construir em 1960. Apesar de não estar vivendo seus últimos dias, Young ocupa o palco com amigos músicos de longa data (incluindo Emmylou Harris) e sua esposa Pegi, e o resultado é uma reunião com personagens tão singulares e afetuosos que a coisa toda soa como uma bonita homenagem post-mortem. É emocionante, profundo, “carinhoso” – e o melhor de tudo, o homenageado ainda está (bem) vivo.
No show, Young desfila seus clássicos como “Old Man”, “Heart of Gold” e “Harvest Moon” com precisão e classe, constituindo um registro de altíssima qualidade de alguns dos momentos mais especiais do trabalho que influenciou importantes artistas como Vedder e Cobain (que inclusive citou um verso de Young em seu bilhete de suicídio).
Camisa Xadrez de Flanela: qualquer semelhança com o estilo grunge é meia coincidência

O DVD ainda traz um segundo disco com atrações especiais como mini-documentários na companhia de Neil Young e dos músicos que o acompanham no show. Há inclusive a aparição de Young (em 1971) no Johnny Cash Show, cantando “The Needle And The Damage Done” na ressaca das mortes de Joplin, Hendrix e Morrison. Mas o meu favorito é o breve clipe em que o técnico de guitarras de Young abre o baú e mostra alguns dos instrumentos mais emblemáticos do cantor, como a Les Paul 1953 com vibrato Bigsby da foto acima.
Apesar de cultuado, Neil Young tem voz, intensidade, coragem e integridade que dividem opiniões de forma cristalina. Quando se trata dele, há apenas 3 grupos de pessoas - os que amam, os que odeiam e os que nunca ouviram. Se você pertence ao primeiro ou último grupos, esse DVD é uma peça importante, ou para reforçar a devoção ou para dar uma excelente oportunidade para julgamento consciente e consistente.