Wednesday, April 18, 2012

TEM SUBSTITUIÇÃO NO CEMITÉRIO: SAI TUPAC, ENTRA MÚSICA MODERNA

Olá, caros amigos!

Errático pela própria natureza, esse blog volta à vida de súbito. O heroico desfibrilador foi um fato deste fim de semana, fogo fátuo do deserto Colorado (da Califórnia) – a ressurreição de Tupac, uma paradoxal bala de prata na música moderna. Acho até que um pouco do minguado sangue do baleado espirrou no estado e forma atuais dos festivais de música.

Para quem não viu, o vídeo abaixo explica o ocorrido – para turbinar a apresentação de um Snoop Dogg que leva o fim de carreira com a mesma energia de Túlio Maravilha buscando o milésimo gol, a organização do Coachella Music & Arts Festival trouxe Tupac dos mortos em versão holográfica (obra da empresa AV Concepts).



Interessante à primeira vista, sem dúvida. Me pareceu bem feito, e deve ter sido ainda mais impressionante ao vivo. Entretanto vejo algo de errado e sintomático em apelar para o fantasma de alguém que morreu há 16 anos, sobretudo num palco que já tinha Dr. Dre e a participação especial de 50 Cent, Eminem e Wiz Khalifa. Tudo bem que era quase um time de Show Ball com participação especial do Neymar, mas precisava ir além e forçar a escalação de um Garrincha virtual? Apesar de cansado, era um lineup que ainda coloca qualquer fã de hip-hop para pular, com ou sem holograma...

Para vosso humilde colega, a resposta é sim - precisava. E alguns motivos me vêm à cabeça...

A democratização da produção e distribuição da música, a cada dia que passa, mostra a sua face cruel com mais clareza. A face doce é conhecida e me dá bom dia regularmente: a possibilidade de um compositor de talento turvo (como eu) produzir um disco inteiro sem sair de casa, gastando o mínimo em caros aluguéis de estúdio (até mesmo esses se tornaram mais baratos com a produção digital). Mas na mesma medida em que a plataforma de produção se popularizou, o bocal do funil também alargou e deixa MUITA coisa passar. E obviamente pouca coisa se salva, porque – Pollyannas me perdoem - a raça humana não se tornou musicalmente mais talentosa nos últimos anos, pelo contrário: é cada dia mais difícil inovar e ser autêntico em música popular.

Pois bem, essa massa de “bedroom artists” precisa comer, e mantra “só show dá dinheiro” já é bastante conhecido. Continuamos gastando tanto (ou mais) em música quanto já gastamos no passado, mas o share of wallet mudou: uma parcela maior é investida (ou usurpada, ao menos no país em que virtualmente todos são estudantes) em shows. E enquanto as lojas de disco são sepultadas sem marcha fúnebre, festivais proliferam-se a torto e a direito. Festivais viram McDonald’s, com franqueados hasteando orgulhosas bandeiras em diversos países. Ou você não viu os melhores momentos do Lollapalooza Argélia? Parece que o Khaled quebrou tudo...

Sim, eu sei que festivais não são nenhuma novidade, mas vamos a dois fatos rápidos:
- No ano em que Tupac Shakur morreu, 1996, não existiam Bonnaroo, Coachella, Bamboozle, Pitchfork e Sasquatch, festivais com uma proposta de valor virtualmente idêntica. Lollapalooza ainda era um evento exclusivo dos EUA.
- Woodstock (o original), teve 32 artistas em 4 dias de festival; Sasquatch 2011 teve mais de 90 atrações também em 4 dias, número quase igual à edição 2012 do Coachella.

Sobre o Coachella 2012, a semente indireta deste texto, um detalhe importante: são mais de 90 atrações multiplicadas por dois fins de semana da mesmíssima coisa, no que deve ser a maior encenação a céu aberto do filme O Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993) na história do homem. Por um lado, a louvável preocupação em evitar a superlotação e preservar a qualidade deste bem executado produto; por outro, a ganância. E envolvendo os dois lados desse dólar, a triste realidade que não existem mais momentos únicos e memoráveis nestes festivais em que o que vale mesmo é ter ido, e não ter ouvido. Como li noutro blog por aí, “festival virou micareta”. Bem dito.

E dado que estas 90 e tantas atrações são flácidas como as apresentações de Foster The People na loja Cidade Jardim do Lollapalooza 2012, resta ressuscitar os mortos e torcer para que eles, ironicamente, tragam um sopro de vida para esse lamentável momento da música em que todo mundo fala e ninguém escuta.

Para não encerrar o post com um gosto tão amargo na boca, deixo uma dica digna do saudosista que sou: o app Wolfgang’s Vault (para iPhone), focado em históricas performances ao vivo de gêneros como rock, blues e jazz. O app é frequentemente atualizado com incríveis shows na íntegra e playlists temáticas muito interessantes, constituindo um pacote irresistível para quem quer (re)descobrir coisas da época em que o cara tinha que ser MUITO bom para ter seu nome impresso no vinil.

Até logo!